sábado, 27 de outubro de 2012

Os bichos-de-casco dão a volta por cima

Os povos indígenas do Oiapoque vêm protegendo 
um morador ilustre dos rios da região.
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Quando você pensa na Amazônia, talvez imagine o som dos pássaros tropicais, a dança dos peixes no maior rio do mundo ou os muitos insetos que não dão descanso no calor da floresta.

No entanto, é pouco provável que pense em tartarugas. Em meio à espetacular cacofonia que compõe a Amazônia, uma lenta tartaruguinha marrom pode parecer um pouco... sem graça.

Mas para os povos indígenas do Oiapoque, no extremo norte do Brasil, os quelônios – ou bichos-
de-casco, como também são chamados – estão longe de serem sem graça: eles são parte importante da dieta e da cultura local há muitas gerações. No entanto, esses animais vêm desaparecendo gradativamente dos rios da região.

Para mudar essa realidade, a TNC tem trabalhado com as comunidades indígenas do Oiapoque e pesquisadores para, juntos, recuperar as populações de quelônios e contornar esse cenário.


Quem se importa com uma tartaruga?   
Os quelônios – em especial os tracajás (Podocnemis unifilis) – sempre tiveram um papel central na vida dos povos indígenas do norte da Amazônia brasileira. Além de inspiração para a arte e cultura local, os quelônios adultos e seus ovos servem como fonte de proteína para os povos da região. Muitas vezes, são adotados como bichos de estimação. Seus cascos também são usados para fazer gaw-gaw, coloridos instrumentos musicais que se harmonizam com os sons da floresta.

No Oiapoque, norte do Amapá, onde quatro povos indígenas vivem em três terras indígenas contíguas, o crescimento populacional tem pressionado as populações de quelônios. Há alguns anos, até os mais capacitados para encontrar esses animais e seus ninhos passaram a ter dificuldades para colocar seu talento em prática: o número de tracajás estava diminuindo rapidamente. Em 2001, lideranças locais se reuniram e decidiram que algo precisava ser feito.

Elaborando um plano
Eles se juntaram à TNC e a pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) para elaborar um projeto para estabilizar as populações de tracajás – garantindo uma fonte de proteína de longo prazo para as crescentes comunidades locais, preservando uma parte importante da cultura da região, despertando um senso de compromisso ambiental nos mais jovens e criando um plano viável para o uso sustentável de um importante recurso natural.

Após trabalhar com as comunidades para avaliar o status das populações de tracajás, a TNC – em parceria com pesquisadores e técnicos – desenvolveu um plano para ajudar estas populações a se recuperar. A estratégia conta com integrantes das comunidades e seus filhos, que ficam responsáveis por cuidar dos ovos e dos filhotes durante seu estágio mais vulnerável a predadores. A TNC também treinou agentes ambientais indígenas para acompanhar as atividades.

O projeto funciona assim:

  • Setembro: com base no conhecimento tradicional dos povos indígenas da região, os agentes ambientais indígenas e técnicos de campo localizam os ninhos dos tracajás e trazem os ovos para viveiros cercados e monitorados.
  • Dezembro: os tracajás começam a chocar e, nesse momento, são distribuídos às famílias que passam a cuidar deles em grandes banheiras plásticas, processo que se estende por vários meses.
  • Janeiro a abril: as famílias que participam do projeto – e, principalmente, as crianças – cuidam dos filhotes diariamente: trocando a água, alimentando-os com produtos locais como banana, arroz e batata doce, e dando banhos de sol por períodos determinados.
  • Maio: numa data específica, as crianças e suas famílias devolvem os jovens tracajás à natureza, soltando-os nos rios e riachos da região.

Nos últimos três anos, as comunidades já soltaram 777 tracajás nos rios do Oiapoque e o projeto deve continuar crescendo. Os participantes acreditam que serão capazes de aumentar as populações em nível suficiente para atender a demanda local.

“Enquanto existir índios aqui no Oiapoque, o tracajá vai ser conservado para as futuras gerações”, afirma Paulo Roberto da Silva, liderança dos Galibi-Marworno, um dos quatro povos indígenas da região.

A participação das crianças no projeto é importante para ajudá-las a desenvolver um senso de preservação ambiental e a perceber a importância de proteger recursos dos quais todos dependem. O projeto garantirá que elas e suas famílias continuem a obter alimento a partir de seus recursos naturais, além de fortalecer seu vínculo com um ícone cultural da região – um bem que, sem a conservação, poderia se tornar apenas folclore local. 
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03 de novembro de 2011 Cara Goodman atuou como gerente regional de Comunicação e Marketing da TNC para a América Latina, e Leandro Ramos é especialista em Comunicação e Marketing da TNC em Belém (PA).

Fonte: http://portugues.tnc.org






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